Eixo Intestino-Cérebro e as Observações de Microscopia de Campo Escuro
(Síntese dos temas que foram apresentados no Dia Aberto CEMINT 2019)
Há muito que é reconhecido o papel que o Sistema Neurovegetativo exerce sobre o intestino, regulando funções gastrointestinais como por exemplo a motilidade, a secreção de mucina, a produção hormonas, neurotransmissores e regulação imune.
Também se sabe que, é no intestino que se faz a separação dos nutrientes ingeridos e absorvidos, dos resíduos da digestão e toxinas para serem excretados.
Os nutrientes passam para a corrente sanguínea, através da mucosa intestinal que é constituída por células chamadas enterócitos, a qual se dobra e ondula com milhares de vilosidades, e recobertas de novo de microvilosidades. Os enterócitos estão “soldados” entre si por proteínas que formam uma união estanque, evitando a passagem de moléculas indesejáveis (toxinas, alérgenos, produtos bacterianos) entre o espaço de duas células para a circulação. As células do muco completam esta barreira mecânica do intestino.
É portanto fundamental manter uma parede intestinal saudável, permeável á entrada de nutrientes e impermeável á entrada de bactérias agressoras.
A borda em escova do intestino e a absorção dos nutrientes
As células intestinais renovam-se rapidamente necessitando para isso de um aminoácido que fornece a energia necessária, a glutamina, indispensável á integridade da barreira. A glutamina age também no sistema imunitário intestinal (placas de Peyer) porque é fundamental para a produção de citocinas e ativação das células imunitárias.
Assim, a integridade do intestino está assegurada por este trio: mucosa, sistema imunitário e microbiota intestinal (microrganismos simbióticos).
Um trio cooperativo
As células do cólon participam na reabsorção activa da água e, aqui, a digestão é exclusivamente assegurada pela flora bacteriana, através de fenómenos de fermentação e putrefacção.
As fibras vegetais prebióticas, que resistem á digestão no intestino delgado e atingem o cólon, vão agir como adubo alimentando as bactérias intestinais protectoras, permitindo a sua multiplicação.
Quando ingerimos alimentos estamos não só a nutrir o nosso corpo, como cerca de 10 triliões de bactérias que vivem no nosso intestino. Estas bactérias existem numa quantidade 10 vezes maior que o número total de células do organismo, constituindo mais de 1 Kg de microorganismos, de 1200 espécies diferentes. Deste modo, uma maior diversidade bacteriana no intestino está relacionada com uma saúde melhor.
Verifica-se assim, que existe uma alta diversidade microbiana interindividual, sendo que cada ser humano possui um padrão bacteriano exclusivo, o qual é determinado em parte pelo próprio genótipo. Cerca de 90% da comunidade bacteriana fecal no adulto pertence às divisões Firmicutes (Gram positivas - 65%) e Bacteroidetes (Gram negativas - 25%). Sendo que os anaeróbios dominam face aos aeróbios.
São essencialmente três as funções benéficas atribuídas à microbiota intestinal, podendo ser divididas em:
Por outro lado, só recentemente se tem despertado para a importância que o Sistema Nervoso Entérico (SNE) parece exercer a nível central. O sistema nervoso do intestino, que deriva da crista neural e que reveste o intestino, funciona de forma independente se bem que ligado por um nervo vago ao
cérebro. Aí existem cerca de 200 a 600 milhões de neurónios, uns 20 neurotransmissores (os mesmos que no cérebro) e uma grande riqueza de conexões. Este representa a maior e mais complexa rede neuronal do sistema nervoso periférico e autonómico. O intestino aliado à sua estrutura neuronal, à comunidade microbiana e aos seus metabolitos possui a capacidade de modular o SNC. Daí dizer-se que o intestino é o nosso 2º cérebro.
O cérebro e o intestino comunicam de forma dinâmica e complexa através de diferentes vias, formando um eixo bidirecional cujo equilíbrio depende da composição da comunidade microbiana que habita o intestino. Assim, uma alteração na composição da flora intestinal altera também a libertação de hormonas do stress e neurotransmissores, uma vez que são as bactérias intestinais que produzem neurotransmissores que comunicam directamente com o cérebro.
São vários os neurotransmissores produzidos por espécies comensais como a serotonina, o GABA, as catecolaminas, a acetilcolina e a histamina.
Tabela 1 - Bactérias e a produção de neurotransmissores [52]
Existe evidência crescente de que a comunidade simbiótica intestinal exerce um impacto determinante no diálogo estabelecido no eixo intestino-cérebro, pelo que é considerado fundamental para a manutenção da saúde do indivíduo, dado que os microrganismos comensais influenciam o SNE e o SNC. Deste modo, a interacção dinâmica que se estabelece entre o grande e o pequeno cérebro (intestino) possui um papel crítico para o equilíbrio do organismo.
A alteração do equilíbrio deste eixo associa-se a disfunção tanto ao nível gastrointestinal (GI) como do SNC, nomeadamente, traduzindo-se em doenças inflamatórias intestinais, perturbações funcionais gastrointestinais, perturbações do comportamento alimentar (anorexia, obesidade), perturbações do espectro do autismo e perturbações do humor, ansiedade e depressão. São várias as evidências que estabelecem uma relação frequente entre as doenças gastrointestinais e as perturbações psiquiátricas, daí a importância do diálogo harmonioso entre o grande e o pequeno cérebro.
Existe ainda uma relação entre a diversidade de bactérias que vivem no intestino humano e doenças neuropsicológicas, uma vez que os microorganismos do intestino podem afectar o comportamento e modificar o equilíbrio químico do cérebro. Foi comprovado, por exemplo, que quando são introduzidas fezes de humanos com depressão em ratos estes desenvolvem sintomas próprios dessa doença.
Já foram realizados estudos em humanos nos quais se compara a microbiota de pessoas sãs com a de outras que têm determinada doença e foi visto que modificando o ecossistema intestinal e as suas funções é possível reduzir os estados de ansiedade. Donde se conclui que existe uma relação entre os estados emocionais alterados e o mal-estar intestinal.
O desequilíbrio da comunidade bacteriana intestinal, a disbiose, exerce um impacto negativo na saúde do indivíduo podendo conduzir a patologias distintas, nomeadamente, do foro psiquiátrico. Neste contexto, os probióticos parecem possuir um papel relevante para a manutenção da flora entérica, dando lugar ao conceito emergente de psicobiótico revelando um novo potencial como terapêutica a favor da saúde mental.
O compromisso da barreira de defesa intestinal aumenta a sua permeabilidade (permeabilidade intestinal ou leaky gut), o que possibilita a translocação de microorganismos através da mucosa, permitindo a sua interacção com as células imunitárias, conduzindo à activação de uma resposta imunológica com a consequente produção de citocinas pro-inflamatórias proporcionando um estado inflamatório prejudicial ao indivíduo.
Esta permeabilidade é percecionada através das imagens de Microscopia de Campo Escuro.
Este exame consiste na observação directa ao microscópio de uma gota de sangue capilar, de forma objectiva, para avaliar a qualidade do sangue. O objectivo principal é detectar, através do estudo da morfologia celular, o nível de dano biológico.
Figura 1, 2 e 3 – L-formas pleomórficas (subprodutos de degradação do biofilme gastrointestinal - formas microbianas ou leveduriformes da mucosa)
O padrão alimentar é fundamental para a manutenção do equilíbrio deste microbioma intestinal. Alterações na dieta podem condicionar mudanças significativas na comunidade entérica, nomeadamente, a alimentação rica em carbohidratos simples e refinados e pobre em fibras conduz a disbiose intestinal.
Autora: Joana Landeiro, Farmacêutica
Bibliografia:
https://www.nutergia.pt/pt/nutergia-conselheiro/dossiers-bem-estar/intestin-sante.php
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/20/ciencia/1463758597_456201.html
https://www.simplyflow.pt/futuro-no-intestino/
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/26287/1/CarinaRFSilvestre.pdf
https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/a-incrivel-conexao-cerebro-intestino/