A Doença Celíaca (DC) é uma condição autoimune inflamatória, desencadeada pela ingestão de frações de prolaminas (proteína do glúten) em indivíduos geneticamente predispostos. Além do consumo do glúten e da suscetibilidade genética, é também necessária a presença de fatores imunológicos e ambientais para que a doença se expresse. Os principais genes predisponentes estão localizados no sistema HLA no cromossomo 6, ou seja, os genes HLA-DQ2 e DQ8 encontrados em pelo menos 95% dos pacientes.
Na sua patogénese estão envolvidos mecanismos de imunidade inata e da imunidade adaptativa com formação de autoanticorpos, como os dirigidos à TG2, e produção de citocinas pró-inflamatórias que desencadeiam uma resposta inflamatória provocando os danos na mucosa intestinal, responsáveis pela histopatologia típica da doença. Tais danos resultarão na diminuição da absorção de nutrientes, uma vez que o intestino é o órgão responsável pela maior absorção de nutrientes que ingerimos através dos alimentos.
Antes considerada um distúrbio gastrointestinal relativamente raro que afetava quase que exclusivamente crianças brancas, a DC pode ocorrer em qualquer etnia e faixa etária. Estima-se uma prevalência global de DC de 1% baseada principalmente em populações europeias e outras caucasianas.
A DC pode-se apresentar das seguintes formas clínicas: clássica, não clássica, latente e assintomática. A forma cássica manifesta-se principalmente nos primeiros anos de vida. Os sintomas mais comuns são diarreia ou constipação crônica, anorexia, vômitos, emagrecimento, comprometimento do estado nutricional, irritabilidade, inapetência, déficit do crescimento, dor e distensão abdominal, atrofia da musculatura glútea e anemia ferropriva.
A forma não clássica apresenta-se mais tardiamente na infância. Ausência de sintomas digestivos. Manifestações comuns: Baixa estatura, anemia por deficiência de ferro refratária à ferroterapia oral, artrite, osteoporose e esterilidade.
A forma latente é identificada em pacientes com biopsia jejunal normal, consumindo glúten. Diferencia-se das outras formas uma vez que, em outro período de tempo, tais pacientes podem apresentar atrofia subtotal dessas vilosidades intestinais, que revertem à normalidade com a retirada do glúten da dieta.
A forma assintomática é comum entre familiares de primeiro grau de pacientes celíacos. Vem sendo reconhecida com maior frequência nas últimas duas décadas após o desenvolvimento de marcadores sorológicos específicos.
Assim, o critério de diagnóstico deve ser personalizado e adaptado a cada caso. É importante que o esforço de diagnóstico seja feito não estando o indivíduo sob dieta isenta de glúten. O diagnóstico da DC deve ser apoiado em várias informações, nem sempre sendo fácil de o estabelecer:
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História clínica (sinais e sintomas sugestivos)
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Análises sanguíneas (serologia)
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Anti-transglutaminase (tTG), IgA e/ou IgG – apresentam uma óptima relação sensibilidade/especificidade;
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Anti-gliadina desaminada, (AGA), IgA e/ou IgG – indicado para crianças com menos de 4 anos;
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Anti-endomísio (AE), IgA e/ou IgG – apresentam melhor especificidade, servem para confirmar o resultado positivo obtido nos TTG.
3. Endoscopia digestiva alta com biópsias do duodeno (bulbo e segunda porção)
4. Teste genético (pesquisa de HLA DQ2 e DQ8)
O tratamento da DC é basicamente dietético, devendo-se excluir o glúten da dieta durante toda a vida, tanto nos indivíduos sintomáticos, quanto assintomáticos. É muito importante que o paciente celíaco seja acompanhado por um nutricionista para ajuste das necessidades nutricionais.
Lívia Henriques
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CEMINT - Dezembro 2020
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