Diabesidade no Sec. XXI
2021-02-22
Entendendo a diabesidade como doença única maximiza abordagem terapêutica
Diabesidade é um conceito que resulta da fusão de duas patologias que partilham entre si as causas, fatores de risco e fisiopatologia. A obesidade e a diabetes são as “duas faces de uma mesma moeda” e uma acaba por ser complicação da outra. Vistas conjuntamente, beneficia-se de uma abordagem terapêutica conjunta, com o mesmo raciocínio clínico.1 Entender a diabesidade passa por entender outros conceitos como, insulinorresistência e síndrome metabólica. A classificação da obesidade baseada apenas na relação peso/altura, expressa no Índice de Massa Corporal (IMC), é muito simplista; assim um individuo é obeso se IMC for superior a 30, independentemente da proporção entre a massa muscular e a gordura corporal e visceral. Nem todos os obesos são igualmente doentes de risco cardiovascular; p.e. são metabolicamente estáveis se não apresentarem gordura visceral excessiva nem parâmetros metabólicos analíticos anormais. O obeso de risco apresenta síndrome metabólica, que inclui três ou mais das seguintes condições: obesidade visceral representada pelo perímetro abdominal maior que 102 cm para homem, 88 cm para mulher; pressão arterial igual ou superior a 130/85 mmHg; glicemia em jejum igual a ou superior a 100 mg / dL; colesterol HDL abaixo de 40 mg / dL em homens ou abaixo de 50 mg / dL em mulher; nível de triglicéridos igual ou acima de 150 mg / dL. Também a diabesidade inclui sempre síndrome metabólica, com seus 4 componentes: insulinorresistência, obesidade visceral, dislipidemia aterogénica e disfunção endotelial. Associa-se a ela o risco acrescido para patologia cardiovascular, esteatose hepática, apneia obstrutiva, hipersónia, gota, síndrome ovário poliquístico, cancro e alzheimer.2 Diabesidade é uma terminologia cunhada há 15 anos pela endocrinologista Dr. Francine Kaufman* e estima-se que atinja milhões de pessoas em todo o mundo; já é considerada epidemia em crescimento junto com a de obesidade (40% de toda a população mundial tem excesso de peso e 13% é obesa – OMS).3 A diabesidade é uma condição crónica e silenciosa que mata de forma tácita e agrava-se agora ao cruzar-se com a atual pandemia aguda. COVID-19 mata ao chocar com este seu principal fator de risco de gravidade: diabesidade.
Explicando o bê-á-bá do metabolismo energético: o ciclo anabólico significa produzir as reservas de energia orgânica, e o inverso, o ciclo catabólico, libertar a energia -ATP- dos depósitos. O ato de “comer” e a respetiva escolha do que se ingere é o único passo do metabolismo que é do nosso controle, entendendo que estas escolhas são comandadas por emoções positivas ou negativas associadas aos alimentos! A partir desse momento, tudo é um automatismo do metabolismo orgânico. O resultado final (perda ou ganho de peso, redução ou aumento de depósito de gordura ou musculo) depende destes complexos fatores, como a genética e flexibilidade das nossas vias metabólicas. Flexibilidade metabólica é um importante conceito associado ao de resistência à insulina. Passo a explicar, aprofundando os conceitos metabólicos: a insulina produzida pelo pâncreas tem como objetivo fisiológico aumentar as reservas de energia sob a forma de glicogénio e gordura e travar o influxo de mais glicose para a corrente sanguínea. Previne também a lipolise do tecido gordo. Faz um “bom anabolismo”. Acontece o inverso quando há necessidade de mobilizar energia-ATP. Para haver uma resposta ativa do recetor da insulina, acionando o “portão” de entrada da glicose na célula, o GLUTI, tem de haver sinalização correta de uma cascata de ativações enzimáticas, as kinases. Depois da ligação da insulina ao seu recetor, na subunidade α, dá-se a autofosforilação conformacional na subunidade β e depois dá-se a translocação dos transportadores da glicose GLUTI para a membrana celular. Se estas sequências de sinalizações celulares estiverem ativas, o metabolismo mantem-se equilibrado; quando há resistência neste mecanismo, este “portão de glicose torna-se rígido, isto é o que se chama insulinorresistência. Nesta condição acumula-se a glicose no sangue, acumula-se a gordura no fígado (esteatose hepática), no tecido adiposo visceral e também no musculo esquelético (são os falsos magros infiltrados em gordura no musculo e sarcopénicos, o que significa que, pode haver síndrome metabólico com grave resistência à insulina mesmo em pessoas “magras” de IMC). Bioquimicamente, na insulinorresistência há perda da tolerância à glicose com excesso de produção de insulina por compensação, dislipidemia com risco de doença cardiovascular ateroesclerótica.4 As causas da desativação dos recetores de insulina incluem, para além de predisposição genética, quadros inflamatórios, estilos de vida associados a erros alimentares com sedentarismo. Outros etiologias descritas na literatura são a disbiose com consequente endotoxemia, poluentes orgânicos persistentes /disruptores endócrinos obesogénicos (POPs como o bisfenol, parabenos, etc.) e também a deficiência da vitamina D, tão prevalente na nossa comunidade e tão fácil de determinar e corrigir. Clinicamente cria-se um ciclo vicioso entre insulinorresistência, obesidade e inflamação.
O diagnóstico desta condição metabólica é simples, solicitando a relação glicose/insulina expressa pelo HOMA-II. Sintomaticamente, a pessoa insulinoresistente sente cansaço, fraqueza, com fome específica para o hidrato de carbono libertador de glicose, aumentando o ciclo vicioso de produção de mais insulina e mais resistência, mais fraqueza, agravando comendo carbohidratos.
Passo a discutir as intervenções terapêuticas que, comprovadamente, ajudam a tratar a insulinorresistência e como tal prevenir a diabesidade. Passa pela sensibilização sobre o tema, que ainda é mal-entendido, mesmo dentro da comunidade médica e serviços de saúde. Foco na necessária mudança de estilo de vida – alimentação equilibrada e atividade física - promovendo a autodeterminação. Reduzindo 500-1000 Kcal /dia na nossa dieta junto com o aumento da atividade física (30-60 minutos/dia de atividade moderada/ intensidade que é quando o exercício nos deixa sem folego), resulta numa perda de peso de cerca de 10%, suficiente para reverter a hiperglicemia em jejum e melhorar a sensibilidade insulínica, mesmo já havendo diabetes. Estratégias dietéticas mais específica dirigidas à sensibilização do recetor de insulina, passam por regimes “RESET metabólico”. Fala-se então dos diferentes tipo de jejuns intermitentes, dietas “low carb”, “cetogénicas” e “anti-inflamatórias”. Estas abordagens dietéticas muito específicas deverão ser sempre analisadas individualmente e seguidas por profissionais experientes, tendo em conta ainda haver limitada evidência e risco associado à sua má prática. A literatura científica anseia investigar abordagens que ativem o AMPK, como é o caso destas últimas descritas. O AMPK é uma proteína sensora da energia ATP, do stress metabólico intracelular e é ativada pela restrição calórica e pela atividade física aumentando a sensibilidade à insulina. Modula a fome e saciedade e, consequentemente, controla o peso de forma independente da leptina e também aumenta a esperança média de vida. Têm-se estudado nutracêuticos que ativem o AMPK, nomeadamente o crómio, canela, epigalocatequinas, DHA, resveratrol, berberina. Individualmente não trazem benefício, mas integradamente, numa abordagem geral que inclui alimentação adequada com exercício físico estruturado, podem ter a sua utilidade acumulativa.5 Prevenir diabesidade é tão simples como promover bons estilos de vida. Está ao alcance de todos vós !
Bibliografia 1. Farag Y., Gaballa M. Diabesity: An overview of a rising epidemic. Nephrol Dial Transplant. 2011;26(1):28-35. 2. Ortega M., Fraile-Martínez O. et al. Type 2 diabetes mellitus associated with obesity (Diabesity). The central role of gut microbiota and its translational applications. Nutrients. 2020;12(9):1-29. 3. Chauhan H. Diabesity - The “Achilles Heel” of our modernized society. Rev Assoc Med Bras. 2012;58(4):399. 4. Mönckeberg F., Muzzo S. La desconcertante epidemia de obesidad. Rev Chil Nutr. 2015;42(1):96-102. 5. Most J., Redman M. et al. Calorie restriction in humans: an update. Ageing Res Rev. 2017;39:36-45. * Autora de: Diabesity: The Obesity-Diabetes Epidemic That Threatens America 2005 |